Chamada de artigos - número 45 (Dossiê Poesia e Censura)

2024-10-09

Dossiê: poesia e censura

No contexto das democracias (neo)liberais, e da redemocratização do Brasil, a noção de censura na literatura caminha pari passu com a noção de liberdade de expressão. Em outras palavras, em um regime democrático, não faria sentido haver censura sobre obras literárias.

No caso da história brasileira mais recente, essa visão binária se deve a dois fatos: o primeiro diz respeito aos traumas, em aberto, da ditadura civil-militar vigente por mais de duas décadas; o segundo, à Constituição Federal, de 1988, que garante em seu capítulo de abertura, inciso IX, ser “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Nesse sentido, a ideia de liberdade de expressão, sobretudo na arte, seria um contrapeso ao autoritarismo institucional, estatal, ou de qualquer outro ator social.

Se tais dispositivos garantem, em tese, um sistema de vigilância contra ataques à liberdade de expressão, sabemos que, no cotidiano do país, sobremaneira após o golpe de 2016, o “autoritarismo socialmente implementado” (O´Donnell) e o “autoritarismo de nossa formação social” (Chauí) passaram novamente a agente da arena pública. Portanto, não à toa, vimos uma espécie de censura discursiva e prática ligada a costumes, perpetrada por esferas as mais variadas, de agentes públicos institucionalizados (políticos, diretores de escola, professores universitários) a pessoas do mundo digital (influenciadores, jornalistas, apresentadores). Os recentes casos de censura e perseguição às obras de Jefferson Tenório e Ziraldo são apenas dois exemplos gritantes dentre tantos outros.

Diante desse contexto, observamos que as relações entre literatura e censura, sobretudo na modernidade e na contemporaneidade, não se constituem em uma questão jurídica, de direito líquido e certo. Ao longo de todo o século XX, por exemplo, casos gritantes ocorreriam, no âmbito das duas guerras mundiais, em especial, quando a noção de censura virou política oficial em termos totalitários como no nazi-fascismo e no stalinismo. No ambiente da Guerra Fria, poderíamos observar semelhante perseguição com o macarthismo nos Estados Unidos, país que sempre cantou loas à liberdade, mas que impôs um amplo e torturante sistema de perseguição à vida artística e cultural norte-americana nas décadas de 1940 e 1950. Na segunda metade do século, diversas ditaduras se instauraram em países da América Latina e a censura foi um dos instrumentos centrais no projeto de controle de governos militares.

Na atualidade, vivemos um enorme impasse no espectro político, pois se, como apontado, o autoritarismo é dado intrínseco e permanente da sociedade brasileira, deparamo-nos também com movimentos sociais de esquerda que, com o positivo intento de luta por justiça social, parecem incorrer em práticas de “cancelamento” de obras consideradas dignas de veto. O exemplo mais gritante é a discussão em torno da obra de Monteiro Lobato e de seu acervo, sob guarda da Unicamp, a qual organizou um evento para “discutir” o que fazer com o arquivo do escritor paulista.

A proposta deste número da Texto poético é abrir espaço para trabalhos que reflitam e debatam relações entre poesia e censura em quaisquer literaturas produzidas tanto na modernidade, contemporaneidade, bem como no mundo antigo.

Organizadores:

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Lizandro Carlos Calegari (UFSM)

Prazo para envio de trabalhos: 30 de janeiro de 2025

Previsão de publicação: maio de 2025